Tenho me contido em escusar a comentar os votos natalícios do Bispo do Porto, onde comparava a interrupção voluntária da gravidez (IVG) com o abandono de crianças na Roda dos mosteiros na Idade Média. Ou comentar, por exemplo, os votos de boas-festas de D. José Policarpo. Porque a Igreja Católica é sempre a mesma, e por isso, não se pode esperar outro tipo de opiniões que não estas.
Mas, hoje, ao deparar-me com as declarações de ano novo do Papa Bento XVI não posso deixar de referir a profunda contradição do seu discurso. Bento XVI faz menção aos direitos mulheres desta forma:
"A mesma insuficiente consideração pela condição feminina introduz factores de instabilidade no ordenamento social. Penso na exploração de mulheres tratadas como objectos e nas numerosas formas de falta de respeito pela sua dignidade; penso também — num contexto distinto — nas visões antropológicas persistentes em algumas culturas, que reservam à mulher uma posição ainda fortemente sujeita ao arbítrio do homem, com consequências lesivas da sua dignidade de pessoa e para o exercício das próprias liberdades fundamentais. Não devemos iludir-nos de que a paz esteja assegurada enquanto não forem superadas também estas formas de discriminação, que lesionam a dignidade pessoal, inscrita pelo Criador em cada ser humano"
Uns parágrafos mais abaixo, Bento VI inquieta-se pela violação sistemática dos direitos humanos universais.
Mas antes do seu discurso emproado sobre os direitos das mulheres e direitos humanos, fala do direito à vida:
"Quanto ao direito à vida, cabe denunciar o destroço de que é objecto na nossa sociedade: junto às vítimas dos conflitos armados, do terrorismo e das mais diversas formas de violência, temos as mortes silenciosas provocadas pela fome, pelo aborto, pelas pesquisas sobre os embriões e pela eutanásia."
Pois, para além do paralelismo extremo, alarmista e perigoso, entre interrupção voluntária da gravidez e terrorismo, o Papa não pode realmente estar a falar a sério quando acha que as mulheres são lesadas diariamente na sua dignidade e liberdades fundamentais. Porque, pelos vistos, ser criminalizada por não se levar uma gravidez até ao fim, não é um atentado à sua vida privada, estar num consultório para fazer um aborto e este ser invadido pela polícia, sem mais, nem menos, também não é uma invasão da vida privada, levar mulheres a tribunal, questionar porque razão fez o que fez, não é um atentado à vida privada, não é uma humilhação pública e judicial. O senhor Ratzinger tenha juízo, e não se arme em populista a defender a "condição feminina" quando depois considera que o aborto é a mesma coisa que um acto terrorista. É que por esta sua sua lógica, a Igreja também é terrorista e contra a vida, quando, por exemplo, condena o uso do preservativo, quando a SIDA e outras doenças sexuais transmissíveis existem, quando, hoje em dia, homens e mulheres, disfrutam, e ainda bem, da sua sexualidade, sem casamentos, sem outros fins que não a reprodução. O que irrita neste discursos papais e bispais é que tratam os crentes como se fossem tontinhos, não soubessem pensar, como se não fossem seres humanos do mundo de hoje. Onde a sexualidade se vive de outra forma, onde as práticas sociais são outras.
1 comentário:
rosa que fuma disse...
chamam noutro sitio a atencao para o detalhe: quem retransmite a noticia, qual o proposito de a re-transmitir. certamente, no bom portugal, transmite-se sempre aos catolicos o que sentem os catolicos. mas de certa medida, este discurso e um espantalho para atirar pedras. alguem sabe comentar que raio de tese era aquela da andreia peniche? sem "publico" fiquei sem saber. gostava MUITO de saber.
2/1/07 20:48
Anónimo disse...
Como digo e redigo: de alguma forma e sempre nossa culpa... pois se o homem nao pode ser punido pela sua comparticipacao, porque raio nao havemos de ser nos a tomar a decisao?
21/1/07 10:17
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