20.10.07

Doc Review: "Jesus Camp"


"Jesus Camp"
de Heidi Ewing e Rachel Grady (EUA, 2006)


Ontem vi o "Jesus Camp" de Heidi Ewing e Rachel Grady, um filme sobre uma colónia de férias de crianças evangelistas.
Propaga-se o criacionismo e como as crianças são exército de Deus. Dirigido por puritanos, que pregam e ensinam a pregar de uma forma extremamente violenta e impressionável que deixa as crianças em êxtase, medo e culpa, muito sentimento de culpa. Vemos também, como a maior parte das crianças evangelistas são ensinadas em casa (pelas mães; aliás, diz uma, "- Se Deus deu-me esta filha, eu tenho que lhe moldar a personalidade"). Os encontros desta Igreja são sempre grandes circos com grande aparato e efeitos especiais, adereçados com o cartaz de Bush -adorado como o enviado de Jesus na terra - com peluches como o tigre bebé que personifica a tentação, o pecado ("- Que para uma criança parece inofensivo") e o tigre grande, já crescido, que é mau, corrupto. E depois vem a vida, a defesa da vida. Abrem uma caixinha de veludo e lá dentro estão 4 ou 5 miniaturas de "crianças por nascer", “bebezinhos lindos que se tirou a vida”, "que podiam ser vossos amigos, estar aqui convosco mas não estão, porque os mataram". Passam os bebezinhos pelas mãos das crianças que choram desalmadamente e gritam, erguem os braços a dizer "no abortion, no abortion". Aceitam as tiras de fita adesiva vermelham que os adultos lhes colam na boca, fita essa onde se lê "life". As crianças gritam, choram e sofrem, embarcando num enorme circo montado para formatar mentes moralistas, sem qualquer individualidade, sem qualquer questionamento, porque são enviados de Jesus. Até para dançar. Só se pode dançar, diz uma das miúdas documentário, quando temos Jesus dentro de nós. Às vezes também dança quando ele não está com ela, mas não deve fazê-lo, sussurra. Sussurra o que Jesus lhe sussurra ao ouvido, ou que Jesus sussurrou no ouvido materno.

"Jesus Camp" é um poderoso documentário. Levanta inúmeras questões, mas a que achei curiosa, e por isso, falo dele aqui, tem haver com uma reflexão feminista que assistimos há algum tempo dentro do discurso de algumas activistas e associações feministas. Há uma tendência para se considerar os movimentos de mulheres de direita católicos como não feministas. Há inclusive associações, por exemplo, as Mulheres em Acção, que se consideram feministas. Feminismo que obviamente não é igual ao nosso, nem ao de todos os movimentos pelo SIM. E logo, desconsideramos esse tipo de feminismo, não o vendo como tal, e no discurso feminista main-stream, não lhe damos muita importância. Ora, aqui é que considero que há uma falácia no tal discurso reflexivo feminista que temos vindo a assistir. Feminista ou não, o certo é que estes movimentos estão a crescer massivamente e ao contrário da maioria dos movimentos de Esquerda, têm recursos, poderosos e eficazes recursos. Aliás, os "bebezinhos” que circulavam de mão em mão nas assembleias do "Jesus Camp", eram iguais aos que os meninos e meninas betinhas nos impingiam na rua Garret, durante a campanha do referendo. Assim como a “vida”, “o direito da criança por nascer”. Ainda que ache que foi este tipo de extremismo que prejudicou, em parte, toda a campanha do “NÃO”, de qualquer modo, muito pouco me espantaria, que um dia, assumam ainda mais o seu fanatismo, e em vez do cordão humano de mãos dadas contra a IVG - passassem a andar de fita adesiva vermelha com a “VIDA” na boca, tal como as crianças de “Jesus Camp” de fita na boca e lágrimas nos olhos, à frente do Capitólio.



Nota: "Jesus Camp" repete dia 22, 2ª, às 22.30, no Cinema Londres (sala 2). Todos os filmes que passam no Doc Lisboa, das 11 às 21 horas podem ser vistos - gratuitamente - na videoeteca da Culturgest.

- Barriguita

Sem comentários: