29.4.08

Ainda o aborto...

Num pequeno curto espaço de tempo, chegou-nos aos ouvidos desabafos de mulheres que decidiram abortar e não conseguem, ou tiveram alguma dificuldade em fazê-lo. Não por estarem com demasiado tempo de gravidez, mais do que aquele que a lei permite, mas, simplesmente, porque os serviços de saúde a que se dirigiram disseram que não faziam esse serviço, que tinham que ir ao centro de saúde primeiro, que tinham que ir ao hospital da sua residência, e todo um rol de afirmações infundadas que apenas levam tempo e dias às mulheres, que decidem por sua consciência, e dentro da lei, interromper uma gravidez.

Como se escreveu por aqui aquando da comemoração de 1 ano da legalização da interrupção voluntária da gravidez até às 10 semanas, a 11 de Fevereiro, não estávamos segur@s que a lei estivesse a ser cumprida e implementada a 100%. Pelos casos que nos chegaram, de facto, verificamos que nem sempre há boa vontade d@s funcionári@s e das entidades responsáveis, não há sequer o trabalho de informar, não há a atenção e cuidado adequado que devem prestar. E os dias passam, as respostas e não-respondas pendem, e assim, facilmente, lá se vão as 10 semanas da lei.

Ouvir apenas um redondo "- Aqui não fazemos" é deixar tudo na mesma. Não fazem porquê, e se não se faz aqui faz-se onde, e com quem se pode falar? No fundo temos o aborto legal e seguro mas os serviços e as mulheres que recorrem a ele, ainda não recuperaram do tempo das trevas em que o aborto clandestino era a regra, tod@s sabíamos e ninguém o assumia. O serviços têm que esclarecer, têm que atender, e se não o podem fazer, devem reencaminhar as mulheres - como é de Lei - para onde seja possível.

Chamemos-lhe Teresa. Teresa decidiu interromper a sua gravidez. Dirigiu-se a um estabelecimento de saúde legalmente autorizado para a interrupção. Ouviu um peremptório "Não fazemos". Mediante redondo "- Não fazemos", perguntou um "- E agora, o que faço?", e responderam-lhe com indiferença, com um encolher de ombros e o repetitivo "- Não fazemos". Ao fim de algum tempo, lá ouviu um "- Mas de qualquer modo, tem sempre que ir primeiro ao seu centro de saúde", e como mais dúvidas que certezas, Teresa só saiu dali, porque pensou que tinha que arranjar tempo suficiente para conseguir consulta no centro de saúde, para depois ainda voltar ao Hospital. 

Quando ouvi este relato, disse à Teresa que essa informação estava errada, não tem nada que ir ao centro de saúde primeiro, o que está na lei é que quando se dirige a um serviço de saúde legalmente autorizado (que era o caso) a consulta é feita no local, e quando não há condições para o fazer, o estabelecimento tem que - obrigatoriamente -reencaminhar a mulher para outro local. Mas Teresa acrescenta: "- Não, mas disseram-me que tinha que ser na minha área de residência", outra imprecisão, ou melhor, uma mentira profunda de quem lhe atendeu. Disse isto à Teresa, que não é isso que está na lei, não lhe podem fazer isso, que tem que bater pé. E Teresa disse-me, "- Eu não quero bater pé, quero é resolver o assunto". E este é o problema. As mulheres defrontam-se com a burocracia do tempo de consulta prévia e da consulta onde se realiza a IVG (5 dias, diz a Lei, entre uma e outra; sabemos de um caso que demorou cerca de 10 dias), ou com a ineficácia de informações contraditórias e erróneas dos serviços. E estes falham, sobretudo, porque nem todos @s seus funcionári@s têm "boa vontade" para esclarecer, informar como todo @ utente tem direito. No caso da IVG é francamente diabólico que isto se passe. A mulher não tem mais que ser julgada pela sua decisão sobretudo quando, finalmente, o aborto até às 10 semana deixou de ser crime, e é permitido em estabelecimentos de saúde autorizados. Não pode, nem deve haver entraves à sua decisão, porque como vemos nesta pequenina história - e, infelizmente, não foi a única que conhecemos - esta morosidade, este empate de forças, só a levam a níveis grandes de aflição, ansiedade, porque se quer resolver a questão dentro da lei. E se é legal não tem mais que ser sujeita a humilhação, a olhares reprovadores, a funcionári@s de má vontade que não a ajudam e que a enganam. Não podemos cair no paradoxo de a própria lei empurrar a mulher para o aborto clandestino.

Contamos esta história, porque é inadmissível que episódios como este ocorram, e tal como Teresa nos contou, nem sempre há tempo para ripostar, para bater pé, porque tem-se é pressa em resolver a questão, e não se está para se ser julgado pela decisão que se tomou. Sugerimos que mulheres que decidam pela IVG ou  passem por uma situação semelhante consultem o portal da saúde sexual e reprodutiva da APF , onde também existe uma linha telefónica de apoio e esclarecimento sobre a IVG - 707 2002 49 (funciona das 12 às 21, nos dias úteis) ou entrem em contacto com a associação Médicos pela Escolha.

Por nossa parte, pensamos entrar em contacto com a APF, Médicos pela Escola e também com os serviços de saúde onde ocorreram entraves, e mesmo recusa, à IVG. E se por acaso, passaram pelo mesmo, escrevam-nos: colectivofeminista@gmail.com 

Lembramos que independentemente do nosso posicionamento sobre aborto, o facto é que ele foi legalizado e autorizado em serviços de saúde públicos e privados, até às 10 semanas. A lei não pode existir apenas no papel, tem que estar nos hospitais, tem que ser cumprida independentemente do agrado ou desagrado de quem atende as mulheres que decidem abortar.

2 comentários:

cris disse...

Obrigada por divulgarem esta historia e seria bom conhecermos outras q estejam a suceder. Isto eh absolutamente inadmissivel de facto. E perigoso. Eh q sao entraves assim q depois se podem traduzir numa "lei capturada" como refere a L. Krieger.

E uma reportagem com gente do DN ou da SIC a cobrir idas de mulheres (activistas, por exemplo, nao interessava) a estes centros de saude, nao seria interessante?

cris disse...

ah, e deixar uma reclamacao por escrito no livro de reclamacoes ou exigir falar com o director clinico tb pode ser uma boa estrategia. enfim, alguma coisa (ou varias, em simultaneo) tem q ser feita. arrghhh.