Sentadinha numa das filas de cadeiras do auditório da Gulbenkian, assisti à mesa redonda "Os Feminismos e os Desafios para o Nosso Século" no Congresso Feminista, na passada sexta-feira. Antes de passar a saber (?) que desafios estão predestinados para os feminismos, tivémos que assistir a quatro excertos musicais compostos por Clara Schumann, pelos vistos, a mulher oprimida de Schumann, e durante uma eternidade lá fiquei a assistir a este trio de violino, violoncelo e piano. Um excerto ainda se suportava, mas alguém ao meu lado, me segredou que eram três. E chega-se ao terceiro, e surpresa das surpresas, afinal eram quatro. Alegria, alegria, alegria. E assim se passou meia hora, trinta e cinco minutos dos tais desafios do século XXI. Por momentos, ainda achei que em algum momento, pelo palco a dentro, aquele momento espiritual seria interrompido por algumas feministas irreverentes, do século XXI. Mas não. Em Schumaan se começou, e por ali se ficou.
As luzes acedem-se e um vasto leque de feministas sobem ao palco, espalhando-se pelas respectivas poltronas. Eram elas, afinal, que nos iriam conduzir até aos desafios do feminismos do século XXI. Não vou aqui falar de cada uma delas, penso que o painel tentou ser composto por feministas de todos os campos, de todas as áreas, e até houve algumas boas intervenções - ainda que tenha falhado, redondamente, como alguém lhes apontou na plateia, pela homogeneização etária. Portanto, é muito curioso ouvir discursos empertigados sobre a 3ª e a 4ª geração de feministas (o prémio da pior intervenção de sempre, pelo seu pretensiosismo e autismo estereotipados, vai directamente para Virgínia Ferreira; "o feminismo foi buscar o glamour aos movimentos LGBT" é só uma das pérolas do enorme colar de baboseiras que proferiu), que o feminismo precisa de se integrar e articular com outros movimentos e causas, ser aberto a discussão e a outras formas de intervenção, mas no final, e não me digam que foi apenas por falta de tempo (houve uma péssima gestão de tempo), não respondem a nenhum dos comentários do estimado público, que a custo se manteve na plateia. O comentário perspicaz da ausência de feministas mais novas na composição do painel e de um outro sobre como é que o feminismo se torna uma palavra mobilizadora e não separista, sobretudo para as gerações presentes e futuras (afinal não era do futuro que se falava?), foram deixados cair no ar, no vazio, sem debate, sem troca de ideias. No fundo, aquela disposição do palco, com a geração de feministas mais velhas, refasteladas nas poltronas, acabou por recair numa estrutura a lembrar uma sala de aula, onde elas do alto do palco, ensinavam coisas, passavam testemunhos, e @s que assistiam cá em baixo, ouviam, sorriam, e batiam palmas. E com isto não digo que o Congresso não serviu para nada, serviu sim, por ali passou muitos painéis interessantes, várias abordagens e perspectivas diferentes, que mostram que o feminismo está vivo e não apenas nas mãos de algumas associações e/ou personagens, mas desta mesa redonda esperava mais, aliás, pelo programa inteiro, deduzia-se que era uma das mesas redondas mais importantes do Congresso, mas é o que é, e também por isso que este Colectivo surgiu, porque não se aguenta como algum feminismo se encerra sobre si próprio, incapaz de perceber o seu próprio potencial revolucionário e emancipatório. Aliás, o próprio facto de começar com uma hora de atraso à conta do trio de Shumaan e da exibição de um power-point desconexo (a levar a claques descabidas, mais ou menos irregulares, a esta ou àquela feminista), a má gestão do tempo das participantes também ilustram a desarticulação vigente dos feminismos em Portugal, e da sua estagnação. Não de todos, assim o espero, e escrevo precisamente este post porque também está na hora de sermos crític@s sem medos, não para nos separar, mas para reflectirmos, e se possível, agirmos de outra forma, para que o feminismo se revigore, cresça e se amplie.
3 comentários:
Infelimente tive de sair pouco depois de iniciado o debate. Fico triste por ler a sua observação porque, de facto, também me pareceu que esta seria uma das mesas mais centrais do congresso. Subscrevo muitas das suas observações, como os pensamentos ocos que foram expressos em algumas das intervenções, a má gestão do tempo (algumas intervenções excediam-se pateticamente, desprezando o tempo de antena de outros oradores e do público), o não terem respondido às questões do público... Estas são as falhas que, esperamos, sejam contornadas nos próximos eventos porque os aspectos positivos são muitos mais. O balanço geral, vejo-o como positivo. Queremos mais!
É assim mesmo o feminismo. E é com a crítica que avançamos. Infelizmente, tem muita razão sobre o atraso, a má gestão do tempo. Quanto às intervenções, não subscrevo. Defacto, não se respondeu às questões colocadas pelas participantes na sala, muito menos ao desafio à ausência dos feminismos jovens. TAmbém não estiveram os feminismos negros, pós-coloniais, lésbicos e trans… A estes cabe o futuro. A vocês também. No próximo, espero que participem na organização.
Mas eu considero que o Congresso foi um passo em frente nos feminismos em Portugal.
Um abraço … feminista, é claro!
Pois essa mesma mesa talvez se pudesse ter centrado mais nos problemas das mulheres que residem na génese da criação do pensamento feminista e ainda hoje reclamam a acção de todas as mulheres. Uma aproximação material à realidade de outras mulheres que não as pensadoras e investigadoras. Por outro lado, fica aquém o pluralismo necessário de um congresso quando numa mesa - feminismos e poder político - contava com Heloísa Apolónia (deputada do PEV), Helena Pinto (deputada do BE), Helena Roseta (independente), Paula Teixeira da Cruz (militante do PSD), Sónia Fertuzinhos (deputada do PS) - correspondendo o painel aos convites efectudados. Falta aqui qualquer coisa, não?
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