25.8.08

O amor conjugal

Tenho um vestido pouco prático, que abotoa atrás, com uns botões onde as casas são muito largas, logo, está sempre a se abrir, cada vez que me sento e levanto. O ser que costuma ir comigo a todo lado, o tal que faz parte dos meus dias e noites, deu o ar de sua graça de homem prático, de quem tem a solução. Passo a reproduzir:

- Tenho que levar esse teu vestido à minha mãe. Ele cose-te as casas.
- Desculpa, à tua mãe?
- Sim, ela sabe coser-te isso.
- Mas eu tenho mãe, e...
- Mas não te cose os botões!
- E eu até sei coser!
- Nunca te vi coser.
- Pois é, desculpa-me lá, se os nossos serões não são passados à lareira, comigo a coser, enquanto espero que chegues do trabalho.
- Parva. Mas a sério, nunca te vi coser.
- Só quando tem que ser.
- Pois, não tens paciência. Mas nunca te vi a coser. Nunca me coseste nada.
- Porque haveria?
- Por nada, não te ia pedir isso, nem nunca pedi, eu também levo sempre tudo à minha mãe.
- Mas porque raio não coses tu? (Diz Lolita, enquanto pensa que há coisas que ela não tem que saber)
- Ah, não gosto. Mas a minha mãe até me ensinou.
- Então...
- Mas se ela faz melhor, e se até se oferece...
- Oferece-se?! Faz melhor?!
- Sim, ela gosta.
- Oh Dio mio! (Lolita, aqui já a espumar de raiva, a torcer pela cadeira, e os botões, os botões a soltarem-se), e porque não dares ao teu pai, já agora?!...
- Ao meu pai, estás doida? Devia ficar lindo!
(espuma, espuma, espuma, e Lolita lança-lhe o ar assassino número trinte e sete)
- Ai, pronto, não te zangues. Isto tudo era só para arranjar o vestido.
- Eu arranjo o meu vestido. Ou então ponho-te a coser!

O amor conjugal, o amor conjugal sob a herança do patriarcado é difícil, muito difícil! Direi mesmo, que tem dias que anda pelo botão.

E lamento se este post poderá ter um tom corriqueiro, de crónica feminina (arg!), mas o feminismo é mesmo isto. Aparece em todas as esferas da nossa vida. Não se limita a um debate teórico nas paredes de um blog, num stencil na parede, mas também tem que surgir nas práticas enraizadas e quotidianas que nem sempre questionamos, nem sempre nos apercebemos que sistemas, práticas e ideologias estão ali embutidas. Ou melhor, abotoadas.

3 comentários:

cuscavel disse...

Lolita, lamento também que este possa ser um comentário corriqueiro, mas venham os posts nesse tom! Isso porque me parece que, não raras vezes, o que afasta algumas e alguns dos feminismos é (também) julgar que isso exige um trabalho extra-ordinário que foge ao diário, ao quotidiano.

Má ideia! disse...

olha a ladra (aquela cena das palavras da boca)...se bem me lembro, nos primordios do blog foi assim, mas deixaram-se dar ouvidos aos palermas das grandes causas....welcome back.

Anónimo disse...

há cinco anos que tenho a discussão do "está muito bom, mas não é bem igual ao da minha mãe". Apetece partir-lhe a cara, e faço greve desse prato três meses, ele que o faça, mas volta e meia seja na meia torrada, seja nos ovos escalfados lá vem o comentário sobre a sua mamã. Passei a fazer o mesmo quando é ele que cozinha. Remédio (quase) santo.